terça-feira, 6 de março de 2012

Comum ou especial como outros textos.


Relutei em querer transformar em palavras uma situação que vivi há mais ou menos uma semana atrás. (Acho que eu estava esperando o momento certo, talvez.)
Já comentei aqui um relato envolvendo uma das pessoas com síndrome de down que frequentam a associação na qual estou trabalhando.
Pois bem, este texto será novamente sobre uma situação que me deixou com o coração na mão envolvendo a mesma paciente do outro texto.

Semana passada Lara entrou novamente pela porta do aconchegante lugar que trabalho talvez pela sua centésima vez. Deu-me um abraço forte, com todo o afeto e simpatia nela existentes e depois sentou-se ao lado da mãe no banco enquanto aguardava o atendimento. Após a mãe foi embora, resolver algumas coisas pela cidade, até que Lara estivesse em atendimento.

Eu adoro Lara. Talvez eu já ame Lara. Sentada no banco - que não fica muito longe de mim -, ela me chamou para que sentasse ao seu lado. Lara sempre diz que tem algo para me contar.
Dei uma pausa em algumas coisas que estava fazendo para a associação e sentei-me ao lado dela.
"E então, o que você tem para me contar?", eu perguntei.

Lara me olhou e disse que tinha fotos dentro da mochila e que queria me mostrar. Ela abriu a mochila e tirou um álbum antigo de fotos de criança - um desses típicos álbuns que eu tenho guardado à sete chaves na gaveta de recordações em minha casa e que eu sei que você também guarda um.
Olhei as fotos, passei página por página admirando cada uma delas, pois sei que ali estava contida uma história que eu tão pouco teria acesso se não estivesse trabalhando na AIDD.
(Particularmente acho fotos algo muito secreto de uma pessoa, principalmente fotos antigas de uma infância perdida. É como estar conhecendo fielmente alguém que você só conhece de vista e nada mais.)

Mas o que mais me chamou a atenção foi quando Lara apontou um certo homem presente na maioria das fotos dela. E a partir de então percebi que me identifico com Lara muito mais do que eu imaginei.

Um parentêses aqui: Na realidade, eu sei um pouco do histórico de cada paciente que frequenta a AIDD. Quer dizer, eu tenho que saber, pois faço parte disso tudo agora. E eu sei que muitos deles ou não tem mais mãe ou não tem mais pai. Ou não tem mais os dois.

Quando Lara apontou o dedo para a foto e me disse: "- Esse é o meu papai. Ele tá no céu."
Nesse momento dei-me por conta que sim, verdade, Lara não tinha mais o pai, está no cadastro dela.
E ela também disse: "- Você não sabe a saudade que eu sinto. Sabe, aqui dentro (colocando a mão no coração) dói muito. Estou com vontade de chorar, mas eu não quero chorar de novo."

Outro arrepio. Outra sensação de entendimento. Eu disse: "- Lara, meu papai também está no céu." Ela me olhou, incrédula. "- Sério?"
"- Sim, Lara. E eu tenho certeza de que os dois estão se fazendo companhia e olhando para nós duas, cuidando de nós."

E continuamos a jornada de fotos, ela me contou mais alguns momentos. Não sei se Lara vai lembrar de minhas palavras essa semana - quando verei-a novamente -, se vai lembrar que alguém sabe e sente também a dor e a saudade que ela sente. O que importa é que em mim marcou e que eu vi o quanto de sentimento há nela e o quanto de saudade também em Lara existe igual a mim.

Saudades, saudades, tristezas, tristezas, felicidades, felicidades. Iguais em todas as pessoas. Ter Síndrome de Down não significa que os sentimentos sejam diferentes. Dói em mim como dói nela como dói em você, é bom para mim como é bom para ela e como é bom para você.

Beijo, C.

Acesse: www.aidd.org.br
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OBS: A personagem é real e a história também, mas "Lara" é um nome ficticio.

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