quinta-feira, 31 de julho de 2014

Amputações - Martha Medeiros


"Quando o filme 127 horas estreou no cinema, resisti à tentação de assisti-lo. Achei que a cena da amputação do braço, filmada com extremo realismo, não faria bem para meu estômago. Mas agora que saiu em DVD, corri para a locadora. Em casa eu estaria livre de dar vexame. Quando a famosa cena iniciasse, bastaria dar um passeio até à cozinha, tomar um copo d'água, conferir as mensagens no celular, e então voltar para a frente da tevê quando a desgraceira estivesse consumada. Foi o que fiz.

O corte, o tão famigerado corte, no entanto, faz parte da solução, não do problema. São cinco minutos de racionalidade, bravura e dor extrema, mas é também um ato de libertação, a verdadeira parte feliz do filme, ainda que tenhamos dificuldade de aceitar que a felicidade pode ser dolorosa. É muito improvável que o que aconteceu com o Aron Ralston da vida real (interpretado no filme por James Franco) aconteça conosco também, e daquele jeito. Mas, metaforicamente, alguns homens e mulheres conhecem a experiência de ficar com um pedaço de si aprisionado, imóvel, apodrecendo, impedindo a continuidade da vida. Muitos tiveram a sua grande rocha para mover, e não conseguindo movê-la, foram obrigados a uma amputação dramática, porém necessária.

Sim, estamos falando de amores paralisantes, mas também de profissões que não deram retorno, de laços familiares que tivemos de romper, de raízes que resolvemos abandonar, cidades que deixamos. De tudo que é nosso, mas teve que deixar de ser, na marra, em troca da nossa sobrevivência emocional. E física, também, já que insatisfação é algo que debilita.

Depois que vi o filme, passei a olhar para pessoas desconhecidas me perguntando: qual será a parte que lhes falta? Não o "pedaço de mim" da música de Chico Buarque, aquela do filho que já partiu, mutilação mais arrasadora que há, mas as mutilações escolhidas, o toco de braço que tiveram que deixar para trás a fim de começar uma nova vida. Se eu juntasse alguns transeuntes, aleatoriamente, duvido que encontrasse um que afirmasse: cheguei até aqui sem nenhuma mutação autoprovocada. Será? Talvez seja um sortudo! Mas é mais provável que tenha faltado coragem.

Ás vezes o músculo está estendido, espichado, no limite: há um único nervo que nos mantém presos a algo que não nos serve mais, porém ainda nos pertence. Fazer o talho machuca. Dói de dar vertigem, de fazer desmaiar. E dói mais ainda porque se sabe que é irreversível. A partir dali, a vida recomeçará com uma ausência.

Mas é isso ou morrer aprisionado por uma pedra que não vai se mover sozinha. O tempo não vai mudar a situação. Ninguém vai aparecer para salvá-lo. 127 horas. 2.300 horas. 6.450 horas. 22.500 horas que se transformam em anos.

Cada um tem um cânion pelo qual se sente atraído. Não raro, é o mesmo cânion do qual é preciso escapar."

31 de Julho de 2011


domingo, 20 de julho de 2014

Um breve texto para amigos breves ou não tão breves


Cresci achando que havia algum problema estranho com as minhas amizades. Achei que meus amigos deveriam ser eternos, que jamais poderiam ser trocados, que a amizade havia de durar até o tempo que eu desejasse - e o tempo que sempre escolhi era aquele: que meus amigos fossem eternos. Porém, conforme fui entendendo melhor sobre a vida, vi que a maioria das amizades iam sendo trocadas. Geralmente me baseava pelos anos da escola: na terceira série eram uns amigos, na quarta já eram outros, na quinta também. Nem todos saiam da minha vida, alguns duraram todo o ensino fundamental, inclusive o médio, e continuo a ter contato até hoje.
Crescendo é que fui descobrindo o mistério da falta de durabilidade em amizades: o fato é que a maioria dos elos que criamos são cíclicos. Embora não tenhamos como definir o tempo exato desses períodos, as amizades possuem um começo, meio e fim. Ás vezes o começo dura 2 anos, e o fim, uma semana; ás vezes o começo dura 1 dia, e o meio, décadas. 
Mas é verdade também que algumas amizades teremos até que se finde a nossa vida. Classificar e avaliar qual(is) será a premiada é difícil. O jeito é ir vivendo, agradecendo pelos que chegam, pelos que vão embora e pelos que ficam, afinal de contas para tudo existe motivo. E eu acredito que aqueles que vão embora tem de ir, muitas vezes, para que outros cheguem, para que nossa existência na Terra alcance o seu melhor - e isso inclui as pessoas que temos de conhecer e conviver.
Uns chegaram, outros partiram, alguns continuam. E cada um deles vem a compartilhar comigo a parte que a meu caminho cabe, e assim reciprocamente sou com eles. Haverá o momento que aqueles que tiverem de ir, sairão, e, logo, novos virão a ter comigo novos momentos. É assim que funciona!
FELIZ DIA DO AMIGO... Como cantava Toquinho: "Com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida!!"

Beijo, C.

sábado, 19 de julho de 2014

#rip Rubem Alves

"Um dia um estudante veio à minha casa e me perguntou:
"- Como o senhor planejou/preparou a sua vida para o senhor chegar onde chegou? Qual é o mapa do caminho?"
Eu respondi que cheguei aonde cheguei porque tudo o que planejei deu errado. É a pura verdade.
Então eu sou escritor por acidente."

- Rubem Alves. 15/09/1933 - 19/07/2014.



sexta-feira, 18 de julho de 2014

Como estaremos na próxima Copa do Mundo?

Convido os leitores deste texto a fazerem uma reflexão: Como você estará em 2018?
Eventos que marcam, dividem a história, deveriam ser um marco em nossas vidas também. E eu digo isso, pois foi mais ou menos assim que aconteceu na minha vida - mesmo eu não sabendo se as coisas iriam mesmo se concretizar.

Bom, vamos aos fatos: Sempre fui fã de escrever diários. Comecei este feitio lá nos 12 anos de idade e, confesso, continuo até hoje. Acontece que, lembro bem, estava eu aos 13 anos na sétima série quando a professora nos perguntou para que nos imaginássemos no final de 2008. E por incrível que pareça, na mesma época que ela nos fez tal questionamento, estava acontecendo o sorteio da Fifa para descobrirmos qual seria o país cede da Copa do Mundo de 2014 - o Brasil entre os concorrentes.

Eis que tive a ideia de escrever no meu diário de 2007 sobre como eu gostaria de estar aos 20 anos - 2014, na Copa do Mundo, que, então, poderia acontecer no Brasil.
Guardei o diário, nunca mais o folheei. E a vida foi ... Acontecendo, os dias, meses, anos foram, literalmente, voando, até que o ano de 2014 chegou, a Copa do Mundo no Brasil, de fato, aconteceu. E a maioria das coisas que imaginei acontecendo aos meus 20 anos, aconteceram.


Publiquei o meu primeiro livro, intitulado "Por onde andei", aos exatos 11 dias de Junho de 2014, uma quarta-feira ensolarada e quente - embora estarmos quase no inverno -, um dia antes de começar a Copa do Mundo no Brasil.
Fiquei mesmo embasbacada quando resolvi jogar os meus diários de 2006, 2007 e 2008 fora, e, folheando-os para uma última despedida, encontrei tal folha escrita com alguns dos meus desejos para o ano em que eu completasse 20 anos.

Talvez um fato curioso da vida é que quando a gente deseja muito algo e se visualize realizando tal sonho, as coisas acontecem. Não sei se existe explicação, talvez esteja tudo no pensamento.

Depois que terminou a Copa do Mundo no Brasil, nas redes sociais, e principalmente entre os brasileiros, houve aquele momento da sensação de "perda": Cadê os jogos? Cadê os comentários sobre jogadores de futebol? Cadê os memes e as piadas?
A rotina voltou, não saímos mais cedo do trabalho, pois não há mais jogo do Brasil. Depois de 30 dias, voltamos ao que nos era conhecido. A Copa era a tão deliciosa "quebra" na rotina da maioria das pessoas ao redor do mundo - e ainda mais para os habitantes do país que a sediou.

Copa vem, copa vai, de quatro em quatro anos, este evento de impacto mundial acontece em um país diferente. Em 2018 é a vez da Rússia sediá-lo. Como você e eu estaremos lá? Quais são os desejos e sonhos, ainda vamos querer estar morando no mesmo lugar, conversando e mantendo contato com as mesmas pessoas? Em qual patamar de vida nos imaginamos estando? Tudo vai depender do que estamos querendo agora, 4 anos antes. E para quem acha que isso é muito tempo... Engana-se. Cada ano anda passando mais depressa. E se o exercício de imaginar vale? Por experiência própria eu afirmo que sim. Meu primeiro livro foi publicado exatamente no ano que eu imaginei que isso aconteceria. E, convenhamos, não custa nada né? Imaginar, SONHAR, desejar não arranca mão, braço de ninguém.

E aqui vai a capa do meu livro:


Ou encomendando comigo comentando este post :)

Beijo, C.

sábado, 12 de julho de 2014

Trechos de "A noite das mulheres cantoras" - Lídia Jorge


"Acreditar que cada um devia buscar nas suas próprias forças a única resposta para enfrentar os obstáculos. Semelhante estoicismo costuma criar cínicos ou totalitários."

"Dizem que a lembrança é a mamã da História. É mentira, só o registro é o pai da História, e também o seu filho. De resto, lembrança é lembrança, fica e mora conosco, mais nada. Tão longa e tão curta quanto a nossa vida. A nossa vida, se bem vivida, não é da História, é do seu sentido."

"Está entendido. Moramos na mesma casa, mas cada um de nós vive em seu mundo."

"(...) Mas nada iria passar-se como eu imaginava. Ao lado da expectativa, a realidade criava o seu próprio programa, há muito que eu sabia que assim era. Também sabia que a parte que nos decepciona pode ser recompensada pela parte que nos surpreende."

"A relação que determinadas pessoas mantinham com outras não poderia ser qualificada a partir de um só ato isolado, mas essa relação deveria ser evitada sempre que impedisse a realização do próprio. (...) Pessoas havia que tanto nos amavam quanto nos impediam. Essas, deveríamos evitá-las para nos concentrarmos em exclusivo naquilo que é importante."

"Por essa altura eu percebi como o carisma pode ser um fluxo que ao mesmo tempo ofusque e seduza. Provoque esquecimentos e paragens no tempo, hiatos irrecuperáveis, como se conta das aparições benignas."

"Mas nem tudo o que é inesquecível deve ser descrito. A maior parte da nossa experiência inesquecível pode permanecer para sempre indizível."

"Aprendo com esses dias o que toda a gente aprende, mas nem toda a gente sabe. Que só o nada, e em abstrato, é estático. A vida humana, errante, a relação entre nós todos, errática. Lutar contra essa deriva é o mesmo que tentar parar o vento com um chapéu de palha. O amor é esse chapéu de palha."

"(...) Que só dispondo de uma vida nunca daremos resposta àqueles que exigem que nos separemos em partes que são inseparáveis. Não podemos ser de dois mundos."

"O que há de repulsivo na felicidade é a rapidez com que esse estado transforma a pessoa por ele tocada numa ilha de triunfo."

"As nossas contas pareciam os cálculos da NASA. Mas até os voos do vaivém espacial estão sujeitos aos efeitos da meteorologia. Ainda bem. Quando um dia deixarmos de ter esses imponderáveis ou seremos deuses ou seremos animais, e a tendência inclina-se mais para os segundos do que para os primeiros."

"E como sempre acontece na vida, aquilo que existia disperso e por acaso fechava-se num círculo a que se poderia, com algum discernimento, atribuir um significado."

"O fim natural de todos os episódios coletivos, alegres ou trágicos, são canções."

"- Ela foi dormir durante duzentos milhões de anos, foi dormir para todo o sempre", disse Gisela, "Pois é esse todo o sempre que uma pessoa não consegue aceitar. Se houvesse ao menos alguma coisa que interrompesse essa eternidade, se houvesse..."

"- Vamos por partes. Se pensarmos de forma lúdica, o que poderemos concluir? Que se uma de nós morreu, e todas nós sentimos que morremos um pouco com a sua pessoa, então ela ainda está viva para nós, e por isso em parte ela sente como nós, e logo em parte ela quer o que nós quisermos. Mas nós ainda estamos confundidas, ainda não sabemos o que queremos. Ela, a parte dela em nós não morreu, ela sabe. A perspectiva da nossa companheira desaparecida diz-nos que uma pessoa que foi capaz de se entregar a um sonho da forma tão exclusiva como ela o fez, é porque acreditava em si mesma e em nós, e tinha feito da nossa música a sua própria casa".

"Mas eu compreendo que vocês possam não sentir o mesmo que eu. Somos diferentes, e a diferença vê-se muito mais perante a infelicidade do que na hora da alegria. Eu sei bem."

"Há fanáticos para tudo, estes são fanáticos pelos astros. Quem procura no Espaço é porque não encontra o que deveria desfrutar na Terra."

"Compreende... Não me cabia a mim ensinar o que a ti te compete aprender. Nesse estado de alma ninguém tem o direito de intervir. Tudo conta, nesse estado de alma, minuto a minuto, segundo a segundo. Quanto mais encheres o teu saco, mais terás de onde te alimentar no futuro. Olha que não acontece duas vezes. E a vida só tem interesse enquanto essa aventura existe, ou enquanto esperas pela aventura, ou enquanto te lembrares da aventura."

"A eternidade somos nós. Desaparecer entre os que nos conhecem, assim, como uma bola de sabão, é que não se consegue aceitar. Partirmos sem impressionar ninguém, isso é que é o verdadeiro óbito. Aliás, deveríamos perguntar-nos para que pode prestar aquilo que temos de mais certo, a nossa morte. Acaso uma forma de sermos úteis não seria partilhá-la, de modo a prolongarmos a nossa presença até o fim, oferecendo-a aos outros?"

"Mesmo que mais nada em comum nos viesse a juntar no futuro, bastaria o fato de sabermos que estávamos vivas, e de sermos em parte muito diferentes, e em parte muito parecidas, para não podermos dizer adeus."

"Cada coisa brilhava por si, mas elas não rodopiavam em conjunto segundo uma qualquer ordem legível."

**** Esta obra integra as leituras obrigatórias da UFRGS 2015.
Curta: https://www.facebook.com/doceestranhomundodecarol
Você encontra o meu livro em: http://www.editorapenalux.com.br/loja/product_info.php?products_id=181&osCsid=7f98abd53a6a853feb01f9fec565ca4c

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Eu maior

Oi galera!
Hoje posto uma dica de vídeo para inspirar autoconhecimento. Aquelas perguntas "quem sou?", "o que quero?", "o que é felicidade?" vistas pela perspectiva de muitas pessoas - algumas famosas, outras não, porém todas com uma visão interessante e diferente sobre o que estaremos fazendo nós no mundo. São teólogos, engenheiros, cientistas, psicólogos, artistas, escritores brasileiros em um diálogo aberto sobre uma temática que envolve a todos nós: Viver.

Eu me identifiquei com algumas das perspectivas, de outras eu discordei. Acredito que vale a reflexão.

Fica o link - Documentário completo: 89 min.


Beijo, C.

sábado, 5 de julho de 2014

Só mais um


Reviro as minhas memórias, relembro de algumas conversas.
Não mais o mesmo posso dizer sobre os acontecimentos, a troca de carinho, a presença. De repente, tudo o que era "lindo", "fofo", "eterno" é colocado em uma caixa. O amor foi embora, o príncipe quebrou a sua coroa - aliás, será que em algum momento ele fora príncipe mesmo? Agora, depois de passado o "rolo"/"ficadas"/"encontros" (nem sei como intitular isso que vivi), dou-me conta das partes feias, sim, pois elas foram maiores do que as bonitas. Se as partes bonitas tivessem sido maiores, provavelmente o "rolo" continuaria, e este teria se transformado em algo mais sério.

Príncipes que viram sapos - ou será que ele sempre foi um sapo e eu só estava tentando encontrar um príncipe?
Essas confusões acontecem, mas eu acredito que a vida sempre sabe o que faz. Se um relacionamento não deu certo, é porque você ia se magoar mais do que pudesse já ter sido magoada.. É porque algo melhor a espera, nos espera, afinal de contas esse texto é sobre aquilo que não deu certo para mim.

A verdade é que o tempo passa e a gente vai elaborando as perdas, as frustrações. O tempo passa e a gente se torna mais forte ao passo que vai entendendo todos esses erros e aprendendo com eles.

E também é verdade que a gente aposta nas pessoas... Aposta em um primeiro encontro, aposta no segundo, terceiro, quarto encontros. E vai querendo descobrir mais sobre aquele ao qual está dedicando seus sábados à noite, suas sextas-feiras, seu horário durante a semana. Afinal de contas, se a gente não dá espaço, nunca vai sair do próprio casulo, nunca vai ter uma noção da realidade que é dividir a vida com alguém. Infelizmente, muitas vezes darão erradas até que a pessoa certa e as coisas certas aconteçam. O erro também é importante, aliás, talvez mais importante que o acerto. Errar é lapidar-se, resgatar as partes velhas e melhorá-las. Invariavelmente, sofreremos. Doerá. Dói, pois toda frustração é dolorosa - não somente aquelas provindas do amor.

Elaboradas as perdas e frustrações, seguimos mais fortes no jogo. Afinal de contas, ninguém morre de amor.

Beijo, C.
Curta: https://www.facebook.com/doceestranhomundodecarol?ref_type=bookmark
Você encontra o meu livro em: http://www.editorapenalux.com.br/loja/product_info.php?products_id=181&osCsid=7f98abd53a6a853feb01f9fec565ca4c
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...