sábado, 10 de novembro de 2012

Assinado: Só mais alguém - Por Felipe Sandrin

"A morte é um tema recorrente em minhas colunas, talvez porque eu veja como reflexo da vida, quem sabe talvez por achar que ela ao fim iguala a todos, ou mesmo porque eu a tema: tema não lembrar dela todos os dias a fim de valorizar aqueles que, como velas em tempestade, me cercam. Ah, existe ainda a possibilidade de lembrá-la tanto, pois é corriqueiro o adeus forçado que leva amigos e conhecidos.

Partiu mais alguém nesta semana. Estranho, não é? "Mais alguém". Tudo bem, somos todos só 'mais alguém', mas a prova de nossa imparidade são as histórias as quais vivenciamos e contamos. São só nossas, vistas, sentidas e contadas de forma que ninguém mais no mundo faria. O único que somos se evidencia nessa mágica da vivência que milhões poderiam passar, mas cada um sentiria e contaria de uma forma diferente.

Partiu um professor de histórias, um contador de histórias. Gauchão lá de Nova Bréssia, o qual me recebia em seu hotel como mais um de seus tantos filhos-alunos. Deixou uma esposa, uma filha, deixou para muitos isso, sua história. Mas eis a tragédia da vida, ele nos deixou, mas o que ficou nunca mais será contado da forma que ele o faria.

Assim são nossas conservas de lembranças, viagens, lágrimas, beijos, risadas, medos, sonhos, coincidências, esposa, filhos, irmãos, tios, trabalhos, compras, presentes, saudades, reencontros... desencontros. Fatias de bolo, das tias, das avós, da mãe, que um dia teve gosto de fim de tarde, que um dia terá gosto de uma saudade que nada preenche; e nos surgirão lágrimas aos olhos, uma vontade de abraçar quem já não está aqui. E tudo parecerá um fim de tarde, tarde demais, entardecer de um nunca mais. E mesmo essa tristeza do que já não podemos fazer morrerá com a gente: Ah, ironias!

Um carro não conta sua história, uma casa não tem as marcas do que você era. Ao fim, quando partimos, restará o que somos apenas pelo que fomos para outros, testemunhas de nosso modo de falar e fazer. Seremos a saudade na boca dos outros, nos olhos que talvez se umedeçam entregando muito mais do que as palavras dizem.

E para cada adeus se contempla um 'olá', um choro de bem-vindo junto aos braços de uma mãe a segurar pela primeira vez seu filho. E é isso o resumo da morte e da vida, não é mesmo? Pois mesmo que não lembremos quando nossa mãe nos pegou pela primeira vez nos braços, ainda assim estávamos a modificar a vida de outras pessoas, para sempre, rumo ao nunca.

E mesmo que um dia deixe de existir tudo que vivemos, não se apagará o fato de que nós modificamos os que nos cercavam, consequentemente o mundo. Em um pedaço do universo repousará nossa assinatura."

Escrito por Felipe Sandrin, publicado no Jornal Serra Nossa, 09/11/12.

Acesse: www.facebook.com/doceestranhomundodecarol

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