"A base desta historinha, que adaptei, me mandou Martha Herzberg, terapeuta fantástica e amada amiga. Segundo ela, o autor é anônimo, mas desconfio que foi dela essa deliciosa ideia.
Os Sentimentos Humanos certo dia se reuniram para brincar.
Depois que o Tédio bocejou três vezes porque a Indecisão não chegava a
conclusão nenhuma e a Desconfiança estava tomando conta, a Loucura propôs que
brincassem de esconde-esconde. A Curiosidade quis saber todos os detalhes do
jogo, e a Intriga começou a cochichar com os outros que certamente alguém ali
iria trapacear.
O Entusiasmo saltou de contentamento e convenceu a Dúvida e
a Apatia, ainda sentadas num canto, a entrarem no jogo. A Verdade achou que
isso de esconder não estava com nada, a Arrogância fez cara de desdém pois a
idéia não tinha sido dela, e o Medo preferiu não se arriscar: “Ah, gente, vamos
deixar tudo como está”, e como sempre perdeu a oportunidade de ser feliz.
A primeira a se esconder foi a Preguiça, deixando-se cair no
chão atrás de uma pedra, ali mesmo onde estava. O Otimismo escondeu-se no
arco-iris, e a Inveja se ocultou junto com a Hipocrisia, que sorrindo
fingidamente atrás de uma árvore estava odiando tudo aquilo.
A Generosidade quase não conseguia se esconder porque era
grande e ainda queria abrigar meio mundo, a Culpa ficou paralisada pois já
estava mais do que escondida em si mesma, a Sensualidade se estendeu ao sol num
lugar bonito e secreto para saborear o que a vida lhe oferecia, porque não era
nem boba nem fingida; o Egoísmo achou um lugar perfeito onde não cabia ninguém
mais.
A Mentira disse para a Inocência que ia se esconder no fundo
do oceano, onde a inocente acabou afogada, a Paixão meteu-se na cratera de um
vulcão ativo, e o Esquecimento já nem sabia o que estavam fazendo ali.
Depois de contar até 99 a Loucura começou a procurar. Achou
um, achou outro, mas ao remexer nem arbusto espesso ouviu um gemido: era o
Amor, com os olhos furados pelos espinhos.
A Loucura o tomou pelo braço e seguiu com ele, espalhando
beleza pelo mundo. Desde então o Amor é cego e a Loucura o acompanha.
Juntos fazem a vida valer a pena – mas isso não é coisa para
os medrosos nem para os apáticos, que perdem a felicidade no matagal dos
preconceitos, onde rosnam os deuses melancólicos da acomodação."
Texto escrito por Lya Luft, retirado do livro Pensar é transgredir.
Beijo, C.
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