quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Outros trechos de um livro maravilhoso - História do Cerco de Lisboa.


"-Somos diferentes, pertencemos a mundos diferentes. (Raimundo)
- Que é que sabe dessas diferenças todas, nossas e dos mundos? (Sara)
- Imagino, vejo, concluo.
- Essas três operações tanto podem levar à verdade como conduzir ao erro.
- Admito-o, e o erro maior, neste momento, terá sido dizer-lhe que gosto de si.
- Por quê?
- Nada conheço da sua vida particular, se é casada...
- Sim
- ...Ou de qualquer maneira comprometida como antigamente se dizia...
- Sim, imaginemos que sou realmente casada, ou que tenho um compromisso, impedí-lo-ia isso de gostar de mim?
- Não.
- E se eu fosse realmente casada, ou tivesse um outro compromisso, imperdir-me-ia isso gostar de si, se tal tivesse de acontecer.
- Não sei.
- Então tome nota de que gosto de si."

"(...)Por que é que gosta de mim? (Raimundo)
- Não sei, gosto. (Sara)
- E não teme que quando começar a saber, possa começar a não gostar?
- Ás vezes acontece mesmo muito.
- Então?
- Então, nada! O depois só depois é que se conhece."

"A grande prova de sabedoria é ter presente que mesmo os sentimentos devem saber administrar o tempo".

"(...)Impaciente por o tempo ser afinal a mais vagarosa das coisas deste mundo, caprichoso também, ou embirrento."

"Há ocasiões em que tivemos a impressão de que alguém estava lá fora à espera, e quando fomos ver não era ninguém, e há outras em que chegamos apenas um segundo tarde de mais, e tanto fazia, a diferença é que, neste caso, ainda podemos ficar a perguntar-nos: "Quem terá sido?" e levar o resto da vida a sonhar com isso."

"- É esta a primeira vez que lhe falo das coisas particulares da minha vida.
- As coisas que julgamos particulares são quase sempre do conhecimento geral. Não imagina o que é possível ficar a saber em duas ou três conversas aparentemente desinteressadas."

"(...) - Estou cada vez pior, outro no meu lugar saberia como proceder.
- Outro no seu lugar teria aqui outra mulher."

"- Diz-me como vives e eu saberei quem és.
- Pelo contrário, dir-te-ei como não deves viver se me disseres quem és.
- Ando a tentar dizer-lhe quem sou.
- E eu a tentar descobrir como vamos viver."

"Nunca saberemos até que ponto as nossas vidas mudariam se certas frases ouvidas mas não percebidas tivessem sido entendidas."

"(...)Mas há pessoas a quem atrai mais o duvidoso que o certo, menos o objeto do que o vestígio dele, mais a pegada na areia do que o animal que a deixou, são os sonhadores."

"É como tudo: pode ser dita em dez palavras, ou em cem, ou em mil, ou não acabar nunca."

"- Que mundo este, em que tais coisas se acreditavam  e escreviam.
- Eu diria antes: em que tais coisas não se escrevem, mas acreditam ainda hoje.
- Definitivamente estamos loucos!
- Nós dois?
- Referia-me às pessoas em geral.
- Sou daqueles para quem o ser humano é desde sempre um doente mental.
- Para lugar-comum não está mal.
- Talvez lhe soe menos a lugar-comum a minha hipótese de a loucura ter resultado do choque produzido no homem pela sua própria inteligência, ainda não nos repusemos do abalo três milhões de anos depois."

"Muito enganado está quem cuide que é fácil pronunciar um nome, no amor, pela primeira vez."

"Afinal as possibilidade dependem de meios mais ou menos comuns a toda a gente mas falta-lhes evidentemente requinte e imaginação, talento para o movimento sutil, jeito para a suspensão sábia, enfim civilização e cultura."

"Mogueime não sabe se tem medo de morrer. Acha natural que morram outros, nas guerras sempre está a acontecer, ou é para que aconteça que as guerras são feitas, mas se a si mesmo fosse capaz de perguntar que é o que realmente teme nestes dias, responderia talvez que não é tanto a possibilidade da morte, quem sabe se já no próximo assalto, mas outra coisa a que simplesmente chamaríamos perda, não da vida em si, mas do que nela sucede, por exemplo, se podendo Ouroana vir a ser sua depois de amanhã, quisesse o destino ou a vontade de Nosso Senhor que a depois de amanhã ele não chegasse por ter de morrer amanhã mesmo."

"Entreguemo-nos à aparente clareza dos atos, que são os pensamentos traduzidos, ainda que na passagem destes para aqueles sempre algumas coisas se tirem e se acrescentem, o que finalmente virá a significar que sabemos tão pouco do que fazemos como do que pensamos."

"- Porquê? Onde?
- Respondo primeiro à segunda parte da pergunta. Dormi lá dentro, num divã.
- E porquê?
- Porque sou um garoto, um adolescente a quem os cabelos brancos vieram cedo de mais, porque não fui capaz de me deitar aqui sozinho, só isso."

"(...) Porque ninguém sabe o que o beijo é verdadeiramente, talvez a devoração impossível, talvez uma comunhão demoníaca, talvez o princípio da morte."

"- Porque não há saída, vivemos num quarto fechado e pintamos o mundo e o universo nas paredes dele.
- Lembra-te de que já foram homens à lua.
- O seu quartinho fechado foi com eles.
- És pessimista.
- Não chego a tanto, limito-me a ser cética da espécie radical.
- Um cético não ama.
- Pelo contrário, o amor é provavelmente a última coisa em que o cético ainda pode acreditar."

"Maria Sara riu e disse: - Gosto mesmo de ti! E Raimundo Silva: - Estou a fazer o possível para que assim continues!"

"(...) - Tenho-me divertido ou instruído, aos poucos, a descobrir a diferença entre olhar e ver e entre ver e reparar.
- É interessante, isso.
- É elementar, suponho até que o verdadeiro conhecimento estará na consciência que tivermos da mudança de um nível de percepção, para dizê-lo assim, a outro nível."

"Não se deve julgar mal o que bem ainda não teve tempo de provar-se."

"Da complexidade da alma humana tudo deveremos esperar."

"Também do coração se pode esperar tudo, até a harmonia das suas contradições."

"Não cabem mais coisas num ano do que num minuto só por serem minuto e ano, não é o tamanho do vaso que importa, mas sim o que cada um de nós possa pôr nele, ainda que tenha de transbordar e se perca."

" Seis passos. Um homem caminha léguas e léguas durante uma vida e dessas não aproveitou mais do que fadiga e feridas nos pés, quando não na alma, e vem um dia em que dá seis passos apenas e encontra o que buscava."

" - Em verdade, penso que a grande divisão das pessoas está entre as que dizem sim e as que dizem não, tenho bem presente, antes que mo faças notar, que há pobres e ricos, que há fortes e fracos, mas o meu ponto não é esse. Abençoados os que dizem não, porque deles deveria ser o reino da terra.
- (...) O reino da terra é dos que têm o talento de pôr o não ao serviço do sim, ou que, tendo sido autores de um não, rapidamente o liquidam para instaurarem um sim."

"Que nada no futuro seja menos do que isso".

Trechos do livro História do Cerco de Lisboa - José Saramago.
https://www.facebook.com/doceestranhomundodecarol

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