domingo, 4 de agosto de 2013

+ Trechos de um livro maravilhoso - História do Cerco de Lisboa.


"(...) O que não exclui a hipótese duma coincidência, num mundo onde elas são tão fáceis".

"Um terço das nossas curtas vidas passamo-lo a dormir, não há quem o ignore, e tanto que basta ter olhos para a nossa própria experiência, entre o deitar e o levantar as contas são boas de fazer, descontando as insônias quem delas sofra, e, no geral, o tempo gasto nos exercícios noturnos da arte amatória, ainda e sempre estimados e praticados às horas ditas mortas, apesar da crescente divulgação dos horários flexíveis que, nesse e em outros particulares, parecem encaminhar-nos finalmente para a realização dos dourados, sonhos da anarquia, isto é, aquela idade apetecida em que cada um poderá fazer o que lhe der na real gana, sob a única condição, elementar, de não ferir ou limitar a real gana dos seus próximos."

"Quantas vezes, ao longo da vida, vai uma pessoa à janela, quantos dias, semanas e meses ali passou, e porquê. Geralmente, fazemo-lo para saber como o tempo está, para estudar o céu, para acompanhar as nuvens, para devanear com a lua, para responder a quem chamou, para observar a vizinhança, e também para ocupar as olhos distraindo-os, enquanto o pensamento acompanha as imagens do seu discorrer, nascidas como nascem as palavras, assim. São relances, são momentos, e longas contemplações do que não chega a ser olhado, uma parede lisa e cega, uma cidade, o rio cinzento ou a água que escorre dos beirais".

"Que doce e suave tristeza, e que não nos falte nunca, nem mesmo nas horas de alegria".

"Os homens, no geral, pouco tempo tiveram para ser meninos, e alguns não o foram nunca, como se sabe e escreveu, e outros ficaram assim para sempre mas não se atrevem a dizê-lo".

"Meu Deus, tende piedade dos homens que vivem de imaginar".

"O mau é que muitas vezes o destinatário ouve a frase mas não dá pela intenção".

"Se não há mistério da escrita, tão-pouco o haverá no escritor".

"Isso a que modernamente chamamos conflito de gerações talvez não seja muito mais do que uma questão de diferenças de linguagem".

"De tais bem-aventuranças não posso dizer que tenha grande experiência, pouco mais faço que observar o mundo e aprender de quem sabe, noventa por cento do conhecimento que julgamos ter é daí que nos vem, não do que vivemos, e é lá que está também o apenas pressentido, essa nebulosa informe onde ocasionalmente brilha uma súbita luz que damos o nome de intuição".

Trechos retirados do livro "História do Cerco de Lisboa" - José Saramago.
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