quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Comprar livros é uma coisa. Ler é outra - Moacyr Scliar.

"O livro, tal como o conhecemos, é um objeto que tem quinhentos ano e que, nesse período, muito pouco mudou. Entre os best-sellers que vemos nas livrarias e as bíblias que Gutemberg imprimia a diferença é só de grau. Sim, as capas são mais chamativas, a temática e o estilo mudam, assim como os autores; mas o formato básico permanece. Já se previu que o computador substituiria o livro, mas os leitores habituais não trocam a página escrita por uma tela. Mesmo porque, se pensarmos bem, o livro é um objeto prático. Livro não precisa de baterias ou de energia elétrica, livro não enguiça, livro não tem luzinhas, livro não faz barulho, livro pode ser levado para o banheiro. O livro é um triunfo cultural e também tecnológico.

Há um único problema: o livro foi feito para ser lido. E isso é um problema, porque nem todos gostam de ler. Mais: há quem fale mal dos livros. Até mesmo na Bíblia, um termo grego que significa exatamente livros, há um diatribe contra o texto escrito. Diz Eclesiastes: "Escrevem-se livros sem fim e o estudo continuado é a fadiga da carne". O anônimo autor dessa passagem tem muitos seguidores. Ao longo dos séculos, leitores ilustres queixaram-se da quantidade de títulos editados. Quando, em 1781, o historiador Edward Gibbon levou-lhe o segundo volume de sua monumental obra Ascenção e queda do Império Romano, o duque de Gloucester reclamou: Another damned, thick, square book! Always scribble! Eh, Mr. Gibbon? (Outro maldito, grosso, quadrado livro! Sempre escrevinhando, escrevinhando, escrevinhando! Não é, Mr. Gibbon?).

Havia também uma pressão social para a leitura de certos livros. O escritor inglês do século XVII, Samuel Pepys, escreveu em seu diário que havia jogado fora a obra de seu conterrâneo Samuel Butler, Hudibras, demasiado ingênua para ele; mas seus amigos aristocratas falavam tanto a respeito do livro que se vira obrigado a comprá-lo de novo. "Somos obrigados a ler qualquer obra estúpida que a moda transforme em assunto de conversação", queixou-se, um século mais tarde, o também inglês e também escritor Samuel Richardson, e ninguém menos do que Goethe acrescentou: "Um livro do qual todo mundo fala inibe nossa capacidade de julgamento". Nesse princípio, aliás, baseia-se o best-seller.

Livros demais! É o título de uma obra do poeta e ensaísta mexicano Gabriel Zaid (Editora Summus). Ou seja: até um escritor se queixa do excesso de livros.
Não é de admirar que muitos livros não sejam lidos. Comprá-los até que não é difícil; hoje em dia existem edições baratas, acessíveis, e podemos até mesmo recorrer aos sebos. As pesquisas, porém, mostram resultados perturbadores; uma delas, realizada nos EUA, mostra que a maioria das pessoas que compram um best-seller não termina de lê-lo.

Criar um comprador é questão de mercado. Criar um leitor é questão de educação, um processo que começa em casa quando os pais lêem para os filhos pequenos, continua na escola, no círculo de amigos, na universidade. Qual a diferença nos dois processos? A intensidade do vínculo emocional. Quando um pai entusiasmado, ou uma professora entusiasmada, ou um amigo entusiasmado nos garante que a leitura de determinado livro é importante, temos dois tipos de motivação para a leitura: um é o livro propriamente dito, outro é o afeto que temos por esse pai, por essa professora, por esse amigo. Leitores formam uma irmandade, uma afetiva família. É isso o outro mérito do livro. Um mérito que já tem quinhentos anos.

Texto retirado do livro "Do jeito que nós vivemos", escrito por Moacyr Scliar.

Beijo, C.
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