"Outro dia achei um caderno da minha época de patinho feio. Sim,
quando eu ainda não sorria nas fotos e passava lápis de olho pra tentar
parecer misteriosa. Eu tinha uns doze anos quando escrevi tudo aquilo,
sei lá o que na cabeça e um garoto chamado Gustavo no coração. Ele era
da minha sala, sentava bem atrás de mim. Nós conversávamos durante toda
aula. Ele fazia piada dos meus óculos, e eu achava a maior graça. Na
frente dos colegas, no intervalo, ele não me enxergava. Mas nunca liguei
pra isso. Afinal, eu também não enxergava muitas coisas.
Um dia eu resolvi escrever uma carta de amor. Daquelas cheias de
corações, borrifadas de perfume e envelope roubado do cartão da árvore
de natal. Escrevi sobre o amor – o que eu sabia sobre o amor? – da
maneira mais ingênua do mundo: “Do fundo do meu coração”. Derrubei umas
dez árvores pra conseguir finalmente, sem erros, escrever algo. Por
falta de coragem, não assinei meu nome. Supus que ele adivinharia.
Ingenuidade, não?!
Cheguei mais cedo só pra deixar a carta embaixo da mesa. Pra
disfarçar, sai de sala e só voltei depois que a aula tinha começado. Ele
me cutucou, e disse que tinha algo pra contar. Naquele instante meu
coração disparou – pela primeira vez, por justa causa – e eu senti como
se o chão não existisse. Flutuei durante toda a aula de matemática (nós
nunca conversamos durante essa aula, o professor nervoso e sempre
gritava).
No intervalo, pela primeira vez, nós conversamos. Eu estava na fila
do lanche, quando ele me puxou e me levou para um lugar onde poucos
alunos ficavam. Com um olhar de quem revelaria um segredo, ele me fez
prometer que jamais contaria pra ninguém. Eu prometi.
Falou sobre a carta, e também sobre a possível autora dela: Uma
garota chamada Verônica. Não Bruna, nem Bru, Verônica. Uma das únicas
garotas da sala que eu conversava, e considerava, amiga. Uma menina
linda, querida por todos e o pior – ou melhor – ingênua. Nunca percebia
os olhares dos meninos.
Não tive coragem de desmentir, apenas concordei com tudo que ele
disse. Deixei minhas palavras falarem por alguém além de mim. E
funcionou, dois ou três anos depois eles começaram a namorar. Eu já não
gostava dele, nem conversava tanto com ela. Mas quando encontrava os
dois, meu coração ficava apertado. Aquela história era pra ser minha.
Aquela foi primeira vez. Mas depois sugiram outros Gustavos e outras
Verônicas. Tenho quase trinta, e ainda sinto como se tudo que eu escrevo
funcione como uma espécie ponte entre alguém. Onde pessoas percebem
pessoas. Mas nessa história, eu não existo. Ninguém me enxerga. Todos
sabem dos meus sentimentos, mas ninguém sabe que são meus e pra quem
eles realmente são.
Cansei de ser a roteirista.
Quero um papel principal, alguém se habilita a escrever minha história?"
Texto publicado no site www.depoisdosquinze.com em 23/05/2011.
Beijo, C.
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